04 junho 2009

Praça da Paz Celestial, 20 anos depois: governantes modernos adotam silêncio herdado 4/4


Financial Times
Jamil Anderlini
Em janeiro, o governo chinês libertou Liu Zhihua, um dos prisioneiros condenados por "hooliganismo" nos protestos de 1989 que culminaram com o massacre da praça de Tiananmen em Pequim.

Liu tinha 24 anos quando ajudou a organizar uma greve na fábrica na qual trabalhava na cidade natal de Mao Tsetung, na província de Hunan. A greve na empresa estatal de mais de 10.000 trabalhadores era contra a supressão violenta das manifestações pela democracia.
O crime de Liu foi incitar multidões com discursos contra o governo. Ele passou 20 anos na prisão, mesmo depois da China remover o crime de "hooliganismo" da lei em 1997.

Até hoje, o governo chinês insiste que o movimento pela democracia de 1989 foi um conflito contra-revolucionário e defende a repressão aos manifestantes pacíficos em Pequim e em outras partes da China na qual centenas - provavelmente milhares - foram mortos pelo Exército da Libertação do Povo.

Para aqueles fora da elite governante chinesa talvez seja difícil entender por que o governo insiste em dizer que lidou corretamente com o incidente, apesar da morte de manifestantes desarmados e transeuntes inocentes.

Depois do incidente, por mais de uma década, a China foi governada por homens diretamente envolvidos na decisão de enviar tanques, tais como o ex-primeiro-ministro Li Peng e outros elevados aos seus cargos como resultado do conflito, inclusive o ex-presidente Jian Zemin.

Muitos de seus sucessores no poder hoje não são diretamente associados aos eventos de 20 anos atrás, mas não demonstraram a menor inclinação pela reavaliação ou reconciliação.

Um porta-voz do Ministério de Relações Exteriores reiterou recentemente a posição oficial que a repressão do movimento pavimentou o caminho para o sucesso econômico. "Os fatos provaram que o caminho socialista com características chinesas que perseguimos está no interesse fundamental de nosso povo e reflete as aspirações de toda a nação", disse Ma Zhaoxu, em resposta à questão de um repórter estrangeiro.

"Na China, os atuais líderes não têm razão para mudar o veredicto de seus predecessores, porque sua legitimidade está em sua herança", disse Bao Tong, a mais alta autoridade presa pelos protestos de 1989. Ele passou os últimos 20 anos em prisão domiciliar.

Bao alega ter organizado a publicação das memórias póstumas de Zhao Ziyang, ex-presidente do Partido Comunista que foi expulso por apoiar os protestos de 1989. Zhao morreu em 2005, tendo passado 16 anos sob prisão domiciliar, mas seu pedido pela reavaliação da "grande tragédia" do massacre de Tiananmen atingiu um ponto sensível.

Um grupo pequeno, mas determinado de intelectuais liberais questionou a insistência do governo que o massacre de manifestantes pacíficos e desarmados foi uma precondição necessária para o crescimento econômico rápido.

Em um subúrbio de Pequim no mês passado, houve um seminário clandestino depois divulgado na Internet no qual acadêmicos proeminentes pediram uma discussão pública e a reavaliação do massacre de Tiananmen. "Quais são os impactos negativos que trouxemos à nossa sociedade por causa de nosso silêncio nos últimos 20 anos?", indagou Cui Weiping, professor da Academia de Cinema de Pequim.

"Qual dano esse silêncio fez ao nosso espírito nacional e moral?"

As notícias do seminário na Internet foram rapidamente bloqueadas pelos censores.
Hoje, 20 anos depois, a imagem de um homem diante de um tanque na avenida da Paz Eterna mal é reconhecida na China e conversas sobre mudar o veredicto oficial são restritas a reuniões secretas de acadêmicos liberais. Os líderes do Partido Comunista temem que uma discussão levante questões sobre sua legitimidade.

As manifestações em 1989 se concentraram em pedidos por liberdade política e pelo fim da corrupção oficial, duas questões com as quais o partido tem dificuldade de lidar até hoje.

"Os supressores de 4 de junho tinham armas pesadas, mas não tinham noção da história", disse Xu Youyu, professor de filosofia da Academia Chinesa de Ciências Sociais, àqueles reunidos no mês passado. "Massacrar civis é rir da justiça e com esse ato os líderes perderam toda legitimidade."

Trinta presos

Estima-se que cerca de 30 pessoas ainda estejam presas por ofensas cometidas nos protestos na China em 1989. Dos libertados, ao menos oito e provavelmente mais foram presos novamente, em geral acusados de ativismo político ou de defender direitos humanos. Os condenados por sabotagem contra-revolucionária, "hooliganismo" e incêndios propositais foram condenados à morte ou à prisão perpétua.


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