20 junho 2009

Rimbaud

O cidadão francês Jean Nicolas-Arthur Rimbaud nasceu em 20 de outubro de 1854 - e morreu 37 anos mais tarde, em 10 de novembro de 1891. O poeta Arthur Rimbaud nasceu lá por volta dos 15 anos e "morreu" aos 19. A partir daí seria Rimbaud, o aventureiro, o traficante, o mártir. Foram várias vidas em uma. Ou melhor: uma vida vivida sob múltiplas formas.

É mesmo um enigma: como é que alguém escreve O Barco Ébrio e outros poemas fundamentais (além das prosas de Uma Temporada no Inferno e As Iluminações), dá uma banana à literatura e desaparece quase sem deixar rastro? Quando morreu, mutilado e agonizante de dor num hospital de Marselha, Rimbaud quase já não era mais lembrado pelos seus contemporâneos. Sua obra teve que esperar algumas décadas para reingressar na corrente sanguínea da literatura francesa e a partir daí aparecer para o mundo. Mas o que houve entre o abandono da poesia e a morte aos 37 anos?

Assim que completou O Barco Ébrio, Rimbaud despachou o poema para Paris. O destinatário era o poeta de 27 anos e recém-casado Paul Verlaine (1844-1896), que começava a aparecer no cenário com seus versos musicais. Entusiasmado, Verlaine convocou Rimbaud para a Cidade-Luz, na época a capital literária do mundo, com seus cafés, uma infinidade de revistas e um clima cultural que atraía exilados de todas as nacionalidades, idiomas e tendências políticas e sexuais.

O encontro dos dois autores foi muito mais que poético: Rimbaud e Verlaine formaram um dos casais mais famosos da história da literatura (confira o quadro sobre casais de escritores), e talvez o mais barraquento deles. O romance costumava terminar na delegacia, depois de muito choro, sopapo e alguma trégua. Pelo seu jovem amor, Verlaine comeu o brioche que o diabo amassou: destruiu seu casamento, viveu na sarjeta sem um tostão furado e foi preso por uma suposta tentativa de homicídio numa viagem da dupla a Bruxelas - episódios que inspiraram o filme, bem furreca, por sinal, Eclipse de uma Paixão, com Leonardo Di Caprio no papel do jovem poeta que leva um tiro no punho.

Episódios quase banais perto do que viria a ser em seguida a vida de Rimbaud. Pouco depois dos incidentes com Verlaine, o jovem de 19 anos pega a mochila e parte pela Europa. Desbrava Inglaterra, Áustria, Alemanha, Itália, Suécia. Uma série de viagens continentais, quase sempre a pé, quase sempre terminando em Charleville, sob as asas da mãe. No caminho, arranja empregos como intérprete de circo, tutor, capataz. Vira Rimbaud, o andarilho.

A grande mudança aconteceria em 1880. Trabalhando numa firma francesa estabelecida no Chipre, Rimbaud (que a essa altura não escrevia mais uma mísera linha de verso ou prosa) parte para o Egito, na época um dos grandes entrepostos coloniais. Empregado em outra empresa francesa, é designado para abrir uma filial em Harar, na Abissínia (atual Etiópia), sob o sol escaldante da África. A viagem a cavalo pelo deserto da Somália leva 20 dias. Harar era então uma cidade meio misteriosa, dominada pelo código severo do Islã, um pedaço do mundo em que poucos homens brancos haviam se aventurado, onde o termômetro marca 30 graus centígrados no "inverno".

Mas Rimbaud resolve diversificar sua atividade comercial. Viaja pelo deserto para comprar marfim e peles, negociando com as tribos nômades e com os donos do pedaço, sultões fascinados pelas armas de fogo. Também começa a se interessar por explorações (foi um dos primeiros europeus a atravessar a estrada de Antotto a Harar), encomenda uma máquina fotográfica e escreve artigos para revistas de geografia. Uma imagem famosa desse período é seu retrato com o rosto calcinado pelo sol ardente, a barba cerrada, o olhar severo. Parecia um "pobre bugre armênio", como definiu um amigo que o visitou na África.

Mudando-se para Aden (no Iêmen), Rimbaud consegue fazer muito mais negócios. E se embrenha na vida local: uma de suas companhias mais freqüentes era uma mulher da tribo islâmica argoba. Aprende o árabe e um punhado de dialetos. Fascina-se por alguns aspectos da religião islâmica. O selo com que lacrava suas cartas levava uma fórmula do Corão com o nome Abdalah, "servidor de Deus". Seu senso de justiça era admirado pelos nativos. Chamavam-lhe "a balança exata".

Cansado de ser empregado, interessa-se pelo tráfico de armas. Parecia-lhe simples: mandava trazer de Liège (Bélgica) fuzis reformados que custavam apenas oito francos. Revendia-os por 40. Lucro fácil. Mas as coisas não saíram como o esperado, e o comerciante francês teve que desbravar o deserto em busca de compradores, negociando armas, peles e escravos com gente esperta e às vezes amargando prejuízos em meio às instabilidades políticas da região e às pilhagens. Sem falar nos empregados, que desertavam no meio do caminho, deixando-o no meio do nada.

Por essa época começa a sentir dores insuportáveis no joelho direito, que incha dia após dia, afinando a perna e impedindo-o de se locomover (a ironia cruel disso tudo é que Rimbaud escrevera muitos anos o seguinte verso: "E não precisar das pernas / Que maravilha!"). São os primeiros sintomas do carcinoma, um tipo maligno de câncer. Resolve procurar atendimento médico na França. Manda fabricar uma padiola, contrata 16 homens e se põe a caminho de Aden para ali pegar um vapor até seu país. Uma via-crúcis, dolorosa e angustiante. Os homens derrubam-no várias vezes, a dor só aumenta e a viagem leva mais de dez dias.

Aos 37 anos, Rimbaud estava liquidado. Seu corpo apodrecia, exalava uma pestilência tenebrosa, as dores o conduziam ao limiar da loucura. Quando chegou a Marselha, em 23 de maio de 1891, os médicos logo amputaram sua perna. Mas o mal se alastrava. O comerciante Arthur Rimbaud morreu então em 10 de novembro. Apenas a mãe e a irmã acompanharam o enterro. Ninguém mais conhecia o poeta Arthur Rimbaud. E aqueles que o conheceram morreriam sem saber das razões que o levaram a abandonar a literatura. A pista pode estar numa declaração do poeta a sua irmã Isabelle: "Teria ficado doido - e, além disso, era porcaria". Julgamento frio, objetivo e desapaixonado. Indigno de um escritor. Próprio de um comerciante.

Na sua biblioteca ou na minha?

As histórias (atribuladas, às vezes) de alguns casais da literatura.

Os "loucos anos 20" foram em boa parte obra desse casal movido a jazz, álcoois, luxos e desvarios. Francis Scott Fitzgerald (1896-1940) e Zelda Fitzgerald (1900-1947) se amaram, escreveram e experimentaram uma decadência tão espetacular quanto seu brilho. O autor de O Grande Gatsby morreu fulminado por um ataque cardíaco em meio a frustrações e falências. Zelda (contista de mão cheia) teve um destino mais tenebroso: morreu num incêndio, no sanatório, alheia ao mundo e à própria história.

Os filósofos Jean-Paul Sartre (1905-1980) e Simone de Beauvoir (1908-1986) se conheceram em 1929 e nunca se separaram. Mas Sartre aprontava das suas com alunas e discípulas e Simone confessou que seu primeiro orgasmo foi com o amante americano Nelson Algren (outro escritor), décadas depois do início de seu envolvimento com o autor de A Náusea. Entre crises e projetos filosóficos e políticos em conjunto, o casal protagonizou boa parte da história cultural do século 20.

Quando a escritora de teatro Lillian Hellman (1905-1984) encontrou o roteirista e autor de romances noir Dashiell Hammett (1894-1961) num restaurante de Hollywood, logo desconfiou que aquela seria uma longa história. E também cheia de arranhões, bebedeiras e crises. Durão, bom de copo e de cama, o autor de O Falcão Maltês fez o diabo com Lillian (sempre envolvida com outros homens), mas também foi o leitor, e às vezes mestre e editor, de alguns roteiros cinematográficos dela.

Décadas antes da liberação sexual e da luta dos homossexuais, as escritoras americanas Gertrude Stein (1874-1946) e Alice B. Toklas (1877-1967) tinham um relacionamento maduro e estável. Na década de 20, recebiam em sua casa, em Paris, gente como Picasso, Pound, Hemingway e Duchamp. Gertrudes era a verdadeira escritora: sua companheira, que datilografava seus escritos e dividia várias idéias, deixou um famoso livro de receitas e uma série de textos memorialísticos.

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Este texto sobre Arthur foi um dos que melhor resumiu rapidamente a sua vida, pois mesmo com rapidas observações em certos pontos... acaba se tornando extenso demais qualquer tema sobre o artista e a pessoa. Cazuza tambem deu sua contribuição cultural apresentando-o para aqueles que o não conheciam em só as mães são felizes (Exagerado 1985), infelizmente é mais um que guardei por tempo demais comigo (só encontrei por conta da arrumação de malas) e desconheço o seu autor...
Espero que tenham se deliciado um pouco.
Ileniel

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